Ócio: a arte de dar sentido
ao descanso
Raissa Pascoal
Em uma tarde de férias, assistindo a um filme na televisão, você se sentiu mal por não aproveitar o tempo livre do trabalho para realizar um curso de especialização. Culpado por isso, você parou de achar graça na história e ficou pensando em como não utiliza suas férias para atividades úteis. Situações como essa já aconteceram com você? Se sim, talvez seja hora de parar para refletir sobre o valor que você dá para o tempo livre e - por que não dizer? - para si mesmo.
Numa época em que o tempo ocioso se tornou sinônimo de minutos jogados fora, achamos que não ter um compromisso social ou não produzir durante um momento de folga significa desperdiçar nossas vidas. Felizmente, existem pessoas cujas pesquisas indicam o contrário. São os especialistas em ócio.
O primeiro trabalho dessa turma é circunscrever, com maior precisão, o sentido de ócio. A tarefa é necessária porque, no senso comum, o termo é usado para nomear coisas distintas e mesmo contraditórias. O Aurélio, por exemplo, define ócio como "preguiça, indolência, moleza", mas também como "ocupação suave, agradável". De quê, afinal, estamos falando?
De forma resumida, uma experiência de ócio se caracteriza pela realização de uma atividade sem que se espere receber nada em troca por ela. Por exemplo: correr porque é bom sentir o vento no rosto e os músculos trabalhando, e não para emagrecer e ficar mais saudável; ou ficar deitado no sofá porque se quer pensar na vida, e não porque não há nada melhor a fazer. O ócio, portanto, é a capacidade de aproveitar física, intelectual e emocionalmente uma atividade, que, enquanto dura, propicia ao indivíduo sensações de contentamento e satisfação. "O ócio não é um não fazer nada aleatório, vazio. É um não fazer pleno de sentido para quem entra nessa experiência. Eu não quero fazer nada porque quero entrar em contato com minhas questões mais essenciais", explica José Clerton Martins, doutor em Psicologia e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Ócio, Trabalho e Tempo livre (Otium), da Universidade de Fortaleza.
O professor analisa que vivemos em uma época marcada pelo vazio existencial e pela pressa, em que não há - ou não se dá - tempo para o sujeito entrar em contato consigo mesmo, sem que isso seja considerado improdutivo para a sociedade.
Por perceber atitudes assim, Martins acredita que a grande questão deste século é resgatar alguns valores cultivados no passado. Na Grécia Antiga, no período que se refere ao último milênio antes de Cristo, acreditava-se que, para se desenvolver por completo, o ser humano deveria valorizar todos os tipos de atividade que fossem plenas de sentido para sua existência. Isso significa que, além do trabalho, tão valorizado por nós e que tem a capacidade de aperfeiçoar nossos talentos, o momento ocioso era igualmente necessário para o ser humano.
Já entendi que o ócio é importante. Mas como vivo uma experiência assim?
Tenha calma. Não há uma receita para uma experiência de ócio, até porque ela é individual e subjetiva. Porém, existem alguns passos a serem dados para criar um ambiente favorável ao ócio.
O primeiro de tudo é descansar. Esse momento funciona como uma transição entre a rotina de trabalho e de agitação para a calmaria. Uma das maneiras de conseguir isso é dormir, explica Ieda Rhoden, doutora em Ócio e em Potencial Humano. Segundo a pesquisadora, o sono ajuda a pessoa a se afastar mentalmente de questões cotidianas.
O passo seguinte é se permitir ter uma pausa. Mas tome cuidado para não confundir ócio com o que você faz no tempo livre. Para criar momentos de ócio e entrar em contato consigo mesmo, é necessário se livrar de compromissos indesejáveis e obrigações sociais nas horas de folga. Isso significa dizer não a festinhas às quais você não quer ir e só aceitou por pressão da família e dos amigos, por exemplo. "A experiência do ócio requer que a pessoa tenha um nível de consciência do ela faz. Tem que ser um desejo interno e não por questões externas. As pessoas fazem as coisas impulsivamente, no reflexo condicionado, sem pensar no que realmente querem", diz Ieda.
Resumindo... Só se chega a uma experiência de ócio quando se percebe liberdade para escolher fazer o que se gosta e está com vontade, seja não fazer nada ou correr quilômetros. O principal a guardar é: só você sabe o que te propicia recreação. "O ócio acontece quando a coisa que eu estou fazendo me basta, me dá satisfação por si mesma", explica Ieda.
O que eu ganho com uma experiência de ócio?
O sentido do ócio é a vivência da própria experiência, mas experimentá-lo pode trazer benefícios adicionais: a satisfação pessoal e o autoconhecimento. O contato com você mesmo pode levá-lo a valorizar mais os momentos individuais, a cuidar mais da saúde e a investir nas relações interpessoais sem se sentir obrigado a fazer isso. O objetivo, portanto, é identificar as atividades que conferem sentido à sua vida. Essa ressalva é importante para diferenciar ócio do hedonismo, que é a busca do prazer individual imediato.
A caminho do ócio
Descanse. Com mil caraminholas na cabeça, não é possível ir muito longe. Por isso, descanse e se desconecte das questões cotidianas.
Diga não. Às vezes, negar um programa indesejável é o primeiro passo para ter uma experiência de ócio. Afinal, temos que fazer o que queremos para realmente conseguir desfrutar o momento.
O que me agrada? Depois de dizer não para alguns compromissos, é hora de saber o que você gosta de fazer. Pare, pense nas atividades que lhe dão prazer e as faça.
Faça atividades dentro das suas capacidades. Ter desafios é bom para não cair no marasmo. Mas não exagere e escolha atividades proporcionais as suas capacidades. Caso o contrário, você se desgastará.